SERVIR

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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A Arte de Celebrar o Serviço Litúrgico

Por Monsenhor Nicola Bux - teólogo consultor da Congregação para a Doutrina da Fé
Tradução: Leonardo José Silvestre


© Copyright sobre a tradução: Sociedade Católica

Para celebrar o serviço litúrgico com arte, o sacerdote não deve recorrer a artifícios mundanos, mas centrar-se na verdade da Eucaristia. A Instrução Geral do Missal Romano assinala: “Também o presbítero ... quando celebra a Eucaristia, deve servir a Deus e ao povo com dignidade e humildade e, no modo de comportar-se e de proclamar as palavras divinas, dar a conhecer aos fiéis a presença viva de Cristo”. O sacerdote não inventa nada mas, com seu serviço, deve fazer chegar, tanto quanto seja possível, aos olhos e aos ouvidos, mas também ao tato, paladar e olfato dos fiéis, o Sacrifício e a Ação de Graças de Cristo e da Igreja, a cujo mistério tremendo podem aproximar-se aqueles que foram purificados dos pecados. Como podemos aproximar-nos dEle se não temos os sentimentos de João, o Precursor: “É preciso que Ele cresça e que eu diminua”? (Jo 3,30). Se queremos que o Senhor caminhe conosco, temos que recuperar essa consciência. Do contrário, privamos o nosso ato de devoção de sua eficácia: o efeito depende de nossa fé e de nosso amor.

O Sacerdote não é o dono dos Mistérios

O Sacerdote é ministro, não dono, é administrador dos mistérios: os serve e não os usa para projetar suas próprias idéias teológicas ou políticas e sua própria imagem, a tal ponto que os fiéis estejam focados nele no lugar de olhar para Cristo, que está representado no Altar, e presente sobre o Altar, e elevado na Cruz.
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Como o Santo Padre advertiu recentemente, a cultura da imagem no sentido do mundo marca e condiciona também aos fiéis e aos pastores. A televisão italiana, como comentário a esse discurso, mostrou uma concelebração na qual alguns sacerdotes falavam nos telefones celulares.
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Do modo de celebrar a Missa podem ser deduzidas muitas coisas: a cadeira do celebrante, em muitos lugares, tirou do centro a cruz e o tabernáculo, ocupando o centro da igreja, às vezes superando em importância o altar, terminando por parecer-se uma cátedra episcopal que, nas igrejas orientais, está fora do iconostáse, claramente visível por um lado. Isso era assim também para nós, antes da reforma litúrgica.
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ars celebrandi consiste em servir ao Senhor com amor e temor: isso é o que se expressa com os beijos no altar e nos livros litúrgicos, inclinações e genuflexões, sinais da Cruz e incensações das pessoas e dos objetos, gestos de oferenda e de súplica, e a exposição do Evangeliário e da Santa Eucaristia.
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Agora, tal serviço e estilo do sacerdote celebrante, ou como gostam de dizer, do presidente da assembléia – termo que leva a mal entender a liturgia como um ato democrático – pode se ver em sua preparação na sacristia, no silêncio e no recolhimento para a grande ação que está por realizar, no seu caminho até o altar, que deve ser humilde, não ostentoso, sem olhar à direita e à esquerda, quase buscando o aplauso. De fato, o primeiro ato é a inclinação ou genuflexão diante da cruz ou do tabernáculo, em síntese, diante da Presença divina, seguido do beijo reverente ao altar e, eventualmente, a incensação. O segundo ato é o sinal da cruz e a saudação sóbria aos fiéis. O terceiro é o ato penitencial, que deve realizar-se profundamente e com os olhos baixos, enquanto os fiéis poderiam ajoelhar-se como no rito antigo – por que não? - imitando o publicano que agradou ao Senhor. As leituras serão proclamadas como Palavra que não é nossa e, portanto, com tom claro e humilde. Assim como o sacerdote, inclinado, pede que sejam purificados seus lábios e seu coração, para anunciar dignamente o Evangelho, por que não poderiam fazê-lo os leitores, se não visivelmente, como no rito ambrosiano, ao menos no seu coração? Não se levantará a voz como em uma praça e se manterá um tom claro para a homilia, mas submisso e suplicante para as orações, solene se cantam. O sacerdote se preparará inclinado para celebrar a anáfora com “espírito humilde e coração contrito”.

O Assombro Eucarístico

Tocará os santos dons com assombro – o assombro Eucarístico do qual falou muitas vezes João Paulo II – e com adoração, e purificará os vasos sagrados com calma e atenção, segundo o pedido de tantos padres e santos. Se inclinará sobre o pão e sobre o cálice ao dizer as palavras de Cristo na consagração e ao invocar o Espírito Santo para a súplica ou epíclese. Os elevará separadamente fixando o olhar neles em adoração, abaixando-os, em seguida, em meditação. Se ajoelhará duas vezes em adoração solene. Continuará a anáfora com acolhimento e tom orante até a doxologia, elevando os santos dons em oferenda ao Pai. Recitará o Pai Nosso com as mãos levantadas, e sem tomar a mão dos outros, por que isso é próprio do rito da paz; o sacerdote não deixará o Sacramento no altar para dar a paz fora do presbitério. Fracionará a Hóstia de um modo solene e visível, se ajoelhará ante a Eucaristia e orará em silêncio, pedindo ser livre de toda indignidade para não comer e beber a própria condenação, e pedindo também para ser custodiado para a vida eterna pelo santíssimo Corpo e o preciosíssimo Sangue de Cristo. Na continuação, apresentará a Hóstia aos fiéis para a Comunhão, suplicando Domine, no sum dignus e, inclinado, será o primeiro a comungar. Assim dará exemplo aos fiéis.
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Depois da Comunhão, fará a ação de graças em silêncio, a qual, melhor que sentados, pode fazer-se de pé em sinal de respeito ou de joelhos, se é possível, como João Paulo II fez até o final, com a cabeça inclinada e as mãos juntas; isso com finalidade de pedir que o dom recebido seja remédio para a vida eterna, como se diz enquanto se purificam os vasos sagrados. Muitos fiéis o fazem e são um exemplo para nós. O sacerdote, depois da saudação e da bênção final, dirige-se ao altar para beijá-lo e eleva os olhos à cruz, ou se inclina ou se ajoelha em frente ao tabernáculo. Logo volta à sacristia, recolhido, sem dissipar com olhares ou palavras a graça do mistério celebrado. Desse modo, os fiéis serão ajudados a compreender os santos sinais da liturgia, que é um assunto sério, e no qual tudo tem um sentido para o encontro com o mistério presente.
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Paulo VI, na instrução Eucharisticum mysterium chama atenção sobre uma verdade central exposta por São Tomás: “Esse sacrifício, como a própria paixão de Cristo, mesmo sendo oferecido por todos, sem dúvida, «não produz seu efeito senão naqueles que se unem à paixão de Cristo pela fé e pela caridade ... e é aproveitado em grau diverso, segundo sua devoção»”. A fé é uma condição para a participação no sacrifício de Cristo com todo meu ser. Em que consiste a ação dos fiéis, diferentemente do sacerdote que consagra? Eles recordam, dão graças, oferecem e, dispostos de modo conveniente, comungam sacramentalmente. A expressão mais intensa está na resposta ao convite do sacerdote, pouco antes da anáfora: “Receba o Senhor por tuas mãos este sacrifício, para a glória do Seu Nome, para nosso bem e de toda a santa Igreja”.
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Sem a fé e a devoção do sacerdote, não há ars celebrandi e não é favorecida a participação do fiel, sobretudo a percepção do mistério. Por que o Senhor “conhece nossa fé e entrega” (cf. Canon Romano), que se expressa nos gestos sagrados, nas inclinações, nas genuflexões, nas mãos juntas, no estar de joelhos. A falta de devoção na liturgia impulsiona muitos fiéis a abandonarem-na e a dedicarem-se a formas de piedade secundárias, ampliando a brecha entre estas e aquela.
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Dado que a sagrada liturgia é um ato de Cristo e da Igreja, e não o resultado de nossa habilidade, não fornece um êxito ao qual aplaudir. A liturgia não é nossa, mas Tua.
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A Tradição da Igreja

A Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, na instrução Redemptionis Sacramentum, recorda ao sacerdote a promessa da ordenação, renovada a cada ano na Missa crismal, de celebrar “devotamente e com fé e devoção os mistérios de Cristo para glória de Deus e santificação do povo cristão, segundo a tradição da Igreja” (cf. 31). Ele está chamado a atuar na Pessoa de Cristo e, por tanto, deve imitá-lo no ato supremo de oração e de oferecimento, não deve deformar a liturgia em uma representação de suas idéias, nem mudar ou agregar algo arbitrariamente: “O Mistério da Eucaristia é demasiado grande para que alguém possa permitir-se tratá-lo ao seu arbítrio pessoal, que não respeitaria nem seu caráter sagrado nem sua dimensão universal” (ibid. 11). A Missa não é propriedade do sacerdote ou da comunidade. A instrução expõe detalhadamente como deve ser celebrada corretamente a Missa, disso se trata a ars celebrandi: os seminaristas devem ser os primeiros a aprendê-lo cuidadosamente, a fim de poder por em prática como sacerdotes.
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Bento XVI, na Sacramentum Caritatis (38-42), trata o tema da ars celebrandi, entendido como a arte de celebrar retamente, e a apresenta como condição para a participação ativa dos fiéis: “A ars celebrandi provém da obediência fiel às normas litúrgicas em sua plenitude, pois é precisamente este modo de celebrar que assegura, desde há dois mil anos, a vida de fé de todos os crentes” (38). Na nota 116, a Propositio 25 especifica que “uma autêntica ação litúrgica exprime a sacralidade do Mistério eucarístico. Esta deveria transparecer nas palavras e ações do sacerdote celebrante, quando intercede junto de Deus Pai, quer com os fiéis, quer pelos fiéis”. Logo, a exortação recorda que “a ars celebrandi deve favorecer o sentido do sagrado e a utilização das formas exteriores que educam para tal sentido, como, por exemplo, a harmonia do rito, das vestes litúrgicas, da decoração e do lugar sagrado” (40). Tratando da arte do sagrado, chama à unidade entre altar, crucifixo, tabernáculo, ambão e cadeira (41): com atenção à seqüência que revela a ordem de importância. Junto com as imagens, também o canto deve servir para orientar a compreensão e o encontro com o mistério. O bispo e o presbítero estão chamados a expressar tudo isso na liturgia, que é sagrada e divina, de maneira que se manifeste verdadeiramente o Credo da Igreja.

(©L'Osservatore Romano - 4/5 Agosto 2008)

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